Desafiando o senso comum - Parte 1 - Ninguém é melhor que ninguém?

Esta semana eu estava conversando com um paciente que está, lenta e gradualmente, construindo barreiras mentais contra um grave problema de inferioridade, quando ele me disse uma coisa que despertou a minha atenção: "Ninguém é melhor que ninguém!"



Não o contestei, claro. Ele precisa dessa confiança inicial de equiparar-se com todos os demais seres humanos e seria cruel de minha parte tirar isso dele simplesmente porque minha mente teve um vôo arbitrário e questionou essa afirmação tão comum.

"Ninguém é melhor que ninguém!"

Ouvimos muito essa frase, mas não nos damos conta do quanto ela pode ser prejudicial, além de ser obviamente falsa.

Sim, completamente falsa, se a observarmos com cuidado!

Porque o que essa frase estabelece é uma total incapacidade de criarmos uma métrica comparativa entre as pessoas, estabelecendo uma igualdade absoluta que é bastante perigosa.

Nós, seres humanos, só somos realmente iguais do ponto de vista físico-químico. Isolados os nossos componentes somos, sim, bastante parecidos. Cada ser humano tem, em média, 65% de seu peso em átomos de oxigênio, 18% em átomos de carbono, 10% em átomos de hidrogênio... Nossas semelhanças, no entanto, param por aí!

Em termos de mente somos realmente individuais. Não há dois de nós que possam ser 100% equiparados nesse sentido.

Se não podemos nos comparar em termos psíquicos, podemos porém estabelecer, sim, uma métrica comparativa comportamental, embora tenhamos de ter um cuidado rigoroso ao fazê-lo, para que tal métrica não acabe repleta de preconceitos.

Se aceitarmos que tal métrica é impossível, teremos de colocar na mesma categoria pessoas como Adolf Hitler e Madre Teresa de Calcutá. Ou Jair Bolsonaro e o Papa Francisco.

É óbvio que em termos de comportamento humano, de ética, de posicionamento moral, algumas pessoas são melhores que as outras!

O que acontece é que nós criamos defesas contra essa ideia, porque interiormente todas as nossas atitudes são bem justificadas. Cada um de nós tem a consciência de estar sempre fazendo seu melhor. Um serial killer certamente se acha bem justificado ao matar. E o supra-citado Adolf Hitler deve ter morrido lamentando o fato do mundo não ter enxergado seu "belíssimo plano" para a humanidade, que incluia o extermínio ou a escravização de todos que ele julgava "inferiores", "não-arianos", mas que na mente dele era algo plenamente justo.

Que cada um se sinta assim é perfeitamente compreensível, mas isso não nos obriga, como sociedade, a julgar que todas as ações são igualmente éticas ou que todas as pessoas são igualmente morais, mesmo aquelas cujas atitudes são claramente condenáveis.

Como psicanalista, tenho a obrigação ética de não julgar meus pacientes pelo que me contam no divã. Porque meu papel ali é ajudá-los em seu processo de autoconhecimento. Mas como ser humano, longe do divã, no meu cotidiano, eu faço, sim, julgamentos éticos. E o resultado desses julgamentos é que em minha mente há uma "hierarquia moral" na qual alguns seres humanos são melhores que outros.

Um exemplo disso está na política. Embora eu seja "de esquerda", nunca fui um lulista fanático. Reconheço alguns méritos no Lula, mas também reconheço nele alguns defeitos graves, que não cabe discutir aqui. Conheço-o pessoalmente desde o início dos anos 90 e já tive oportunidade, mais de uma vez, de discutir esses defeitos com ele.

Ainda assim, em 2022 fiz uma campanha acirrada em favor do Lula como candidato para as eleições presidenciais. Não fiz isso porque acho Lula perfeito, como muitos no PT e nas esquerdas. Fiz isso porque considero Jair Bolsonaro muito pior que qualquer ser humano em quem eu consiga pensar. Até o velho Adolf ganharia em comparação! Mesmo com todos os seus defeitos, perto dele Lula parece um anjo de candura.

Essa, é claro, é a minha avaliação. Outras pessoas avaliaram de forma diferente e votaram no Jair. Não estou aqui para tratar desse assunto, mas para mostrar que mesmo repetindo esse mantra de igualdade do meu paciente ("Ninguém é melhor que ninguém!"), todos nós fazemos julgamentos morais e éticos. Todos nós, em algum momento, consideramos algumas pessoas melhores que outras, seja em um contexto específico (como o de ser melhor para a Presidência da República) ou de forma genérica.


Ed de Almeida, PhD

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